A presença
do símbolo na poética de Antero de Quental e Augusto dos Anjos é muito
importante pois este seria o caminho encontrado por eles para exteriorizar seus
mundos interiores, se não fielmente, ao menos os vestígios refletidos das suas
impressões.
Segundo
Massaud Moisés, o símbolo é: “... O
esforço de apreensão do impalpável, o símbolo funciona como múltiplo e fugidio
sinal luminoso de uma complexa realidade espiritual...” (MOISÉS, p.210).
Desta forma, em outro plano de consciência, no plano do inconsciente (dos
sonhos, com um afastamento do que seria “racional”) existe uma realidade
espiritual encontrada pelos poetas no espaço do desconhecido, do infinito, do
impalpável; reafirmando o que diz Jean Chevalier à respeito da utilização dos
símbolos.
É ainda
em Chevalier que a morte representa o negativismo por ser o fim de tudo quanto
é positivo e belo (a vida em todos os sentidos e tudo que a compõe – todos os
seres); e a representação simbólica da morte seria a parte da existência em deterioração,
ou seja, é a vida que se destrói (agindo como o “sol negro”) levando um
indivíduo ao mundo do mistério (paraíso e inferno). Vendo sob este aspecto, a
morte introduziria o indivíduo a uma nova realidade como numa iniciação; não
deixando de ser contraditório já que o fim acaba sendo um começo, sabe-se que
em toda iniciação, a presença da morte é necessária para que se tenha um novo
começo (a sensação de morte deve ser sentida ou verdadeiramente realizada), uma
nova vida sendo, talvez, uma oportunidade de regeneração, assim, a morte não
seria o fim de tudo mas um recomeço para a vida espiritual – considerada a
verdadeira existência.
Longe
de se desvencilhar das névoas de mistério que a envolvem, a morte é sentida com
angústia e medo em razão do apavoramento que o desconhecido causa a qualquer
ser humano e pela imensidão do nada que nos espera e que a tudo dissipa
inteiramente.
No mundo
em que vivemos e em todos os tempos, não há quem não tenha pensado acerca da
morte e muitos foram os que já tentaram decifrar os seus mistérios tanto quanto
tirar o véu que encobre o “depois”, cada indivíduo, a sua maneira, a entende e
a vê de modo único. Nossa tentativa aqui é a compreensão simbólica da morte na
construção da poética de Antero de Quental e Augusto dos Anjos (como eles a veem,
como a sentem, porque a utilizam e o que esperam quando a registram em seus
poemas), não nos compete, portanto, tentar “dissecá-la” (em seus vários pontos
de vista, seja popular, médico, filosófico ou psicológico) ou muito menos
conceituá-la tendo em vista a sua tamanha complexidade e por seus conceitos
mudarem não podendo ser considerados, portanto, definitivos.
Os poetas
em questão encontravam na morte uma libertação, um repouso e a viam como um
consolo e, talvez, como um preenchimento do vazio decorrente da perda sofrida
(ou adentrariam num vazio ainda maior). Perda que se destrincha em muitas
(algumas com rosto, outra (s) sem e esta seria a maior, a desconhecida, a sem
motivo ou causa), consideradas as causas do estado melancólico. A melancolia é
a chave para o entendimento da morte nestes dois poetas e, como já foi comentada
em capítulos anteriores, buscaremos não nos adentrar muito nesta questão. Foi dito
que a escrita, o ato criador, era uma tentativa de amenizar esta dor e angústia
decorrente da perda, no entanto, a morte seria a última saída para seus eternos
conflitos, ela seria a derradeira separação entre eles e o mundo significando o
momento de desligamento, desprendimento da matéria e, por consequência, de tudo
o que a compõe no âmbito terreno (social, político, cultural, religioso) já que
a morte seria o fim da vida e, portanto, do sentimento, do pensamento e da
ação. Porque a morte? Por que o sentido da vida não mais existe, por que há o
desejo de escapar a tudo que os desagrada no mundo, por que não há mais nada
que a vida possa lhes oferecer e, talvez, seu ganho simbólico através da morte
seja mais importante que tudo isso; ou ainda por que o prospecto da morte causa
um abalo em nossa visão de futuridade visto que ela significaria o fim do nosso
tempo pessoal (segundo Robert Kastenbaum).
A melancolia
impulsiona o individuo à morte orgânica, no entanto, esta o sonda durante toda
a sua existência e está presente em todo o campo de visão que alcança; isto é possível
quando acontece de dentro para fora, ou seja, vem do individual para o
coletivo, ou ainda, em se tratando de construção poética, do “eu-lírico” para a
escrita (não deixando de ser também consequência do externo sob o interno –
torna-se um ciclo, muitas vezes, vicioso). A morte faz parte do mais profundo “eu”
do poeta e é refletido em suas poesias já que estas são a exteriorização de
seus interiores. Ela é tão insanável quanto a dor que os afligem e tão presente
e real quanto a própria vida. Para os destacados poetas, a morte de seus
ideais, a morte dos motivos que os impulsionavam a viver representam o início
de uma caminhada direcionada para a morte pois, neste momento, o sentimento de
cansaço e de perda os deixam entregues sendo isto, implicitamente, uma
permissão para que a morte ocorra de alguma forma. É também uma busca pela
unidade perdida entre o “eu” e a natureza.
Segundo
Chico Viana, o melancólico procura ultrapassar o vazio da coisa perdida, então,
o desejo de destruição seria um impulso alternativo de recomeço. O “eu-lírico”
sonha em ver surgir outro mundo, outro homem, outro cosmo (possibilidade de
renovação do homem). Uma coisa é certa: a morte, seja ou não vista como
símbolo, é presença constante na vida de Antero de Quental e Augusto dos Anjos
e está representada no imenso e frequente vazio sentido e relatado em seus
poemas; este vazio é um nada ligado à dimensão espiritual (já explicitada no
início deste capítulo) da morte e é o símbolo fundamental da melancolia.
(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos).
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