Como
no Romantismo, Augusto e Antero sofrem a perda de suas referências quando se
trata da perda de algo (objeto) idealizado, “por isto, perdendo o sentido da
vida, esta se perde sem dificuldade: sentido desfeito, vida em perigo.”
(KRISTEVA, Julia. P.13). “Nada! O fundo
do poço, úmido e morno / Um muro de silêncio e treva em torno / E ao longe os
passos sepulcrais da Morte.” (QUENTAL, p.84). “É a Morte – esta carnívora assanhada – / Serpente má de língua
envenenada / Que tudo que acha no caminho, come...” (ANJOS, p.108).
Não havendo
mais um sentido para continuar vivendo e lutando, a vida se perde no nada
(morte inorgânica) e caminha para a morte (orgânica).
Freud
compara a melancolia ao luto, assim, essa perda pode ser compreendida com maior
clareza; enquanto o luto está relacionado à morte orgânica, a melancolia está
ligada à morte de ideais (enquanto objeto de amor, de desejo, de luta). Vê-se a
morte de alguns ideais em O lamento das
coisas de Augusto dos Anjos e Transcendentalismo
de Antero de Quental que trazem a dor pela não concretização das ideias, ou
seja, tudo é resumido ao nada, à transcendência que não se realiza, à luz que
não virou lampejo, às coisas ficarem exatamente como estão e ao desejo dos
poetas não realizáveis no mundo orgânico já que tanta luta (de Antero e Augusto
enquanto indivíduos conscientes da necessidade de uma atuação ou participação
para a mudança de determinada realidade – seja social, política ou cultural)
foi por causa de uma ilusão:
Triste,
a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade
dos segundos,
Ouço,
em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro
da Energia abandonada!
É a
dor da Força desaproveitada
- O
cantochão dos dínamos profundos,
Que,
podendo mover milhões de mundos,
Jazem
ainda na estática do Nada!
É o
soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência
que não se realiza...
Da luz
que não chegou a ser lampejo...
E é
em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza
que parou, chorando,
No rudimentarismo
do Desejo!
Já sossega,
depois de tanta luta,
Já me
descansa em paz o coração.
Caí na
conta, enfim, de quanto é vão
O bem
que ao Mundo e à Sorte se disputa.
Penetrando,
com fronte não enxuta,
No sacrário
do templo da Ilusão,
Só
encontrei, com dor e confusão,
Trevas
e pó, uma matéria bruta...
Não é
no vasto mundo – por imenso
Que ele
pareça à nossa mocidade –
Que a
alma sacia o seu desejo intenso...
Na esfera
do invisível, do intangível,
Sobre
desertos, vácuo, soledade,
Voa e
paira o espírito impassível!
Ao contrário
do luto, em que se sabe do objeto “perdido”, o melancólico não percebe com
clareza essa perda, sente-a é fato, mas como algo vago, distante e obscuro como
seu espírito.
A “coisa”
perdida, que não é claramente percebida é como o sol que, longe de ser visto
como realmente é, tem-se antes a percepção de sua luz (sentimos sua presença e
sabemos que existe). Nerval (em Júlia Kristeva) diz que a “coisa” é um sol
sonhado, ao mesmo tempo claro e negro. Contudo, entende-se que, para o
melancólico, esse sol (fonte de energia, que gera a vida e a mantêm) que já foi
claro um dia por ser presente, torna-se negro por haver sido perdido. O melancólico
tem uma união forte com o mundo da sombra, com o lado negro do sol e do
desespero.
Tendo
sido gerada a partir de traumas (“objeto” de amor indispensável que se perde),
a melancolia gera uma mágoa e, por consequência, ódio pela coisa perdida. O melancólico,
ao se sentir abandonado ou traído, se coloca na posição de vítima e, por não
saber perder, perde a si mesmo. Ao odiar o objeto amado (que está instalado
dentro de si), o indivíduo se odeia e se culpa pela mágoa e ódio existentes em
seu ser, portanto, encontra como única saída a morte – mágoa e ódio que são
facilmente encontrados em Augusto e Antero, como nesses trechos: “O homem por sobre quem caiu a praga / Da
tristeza do Mundo, o homem que é triste / Para todos os séculos existe / E
nunca mais o seu pesar se apaga! / Não crê em nada, pois, nada há que traga /
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste. / Quer resistir, e quanto mais resiste /
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.” (ANJOS, p.112). “Eu vi o Amor – mas nos seus olhos baços /
Nada sorria já: só o fixo e lento / Morava agora ali um pensamento / De dor sem
trégua e de íntimos cansaços... Soluço de ódio e raiva impenitentes... / E do
fantasma as lágrimas ardentes / Caíam lentamente sobre o mundo!” (QUENTAL,
p.81).
Então,
o indivíduo em estado melancólico (ao perder as referências e a si mesmo),
entra num processo de auto destruição que começa com a diminuição de sua
auto-estima, gerando um empobrecimento do superego em grande escala (que é a
característica mais marcante na melancolia, segundo Freud, por motivos de ordem
moral). A ausência de amor-próprio aliada à culpa sentida pelo melancólico (pela
ligação existente entre o vazio decorrente da perda do objeto e a exacerbação
da consciência moral) é que o faz preferir a morte.
Importa-nos também, ressaltar, a partir
da nostalgia da coisa perdida, a tarefa ao mesmo tempo arqueológica e
prospectiva que se põe ao melancólico, em sua busca de um preenchimento e de um
sentido. O sentimento de culpa e a pulsão de morte, que a melancolia
privilegiadamente articula, desempenham uma função importante nessa busca: o
primeiro, por refletir as renúncias que, ao longo do tempo, se impuseram ao
homem por efeito da civilização – a genealogia da culpa nos reenvia ao problema
das origens. E a pulsão de morte, por atuar como crítica rigorosa, sugerindo
vias alternativas ao cansaço, à velhice, à mesmidade. (VIANA, Chico. P.38).
A chave
clínica da melancolia está na identificação do ego como objeto perdido, ou
seja, se o indivíduo tem consciência de que o objeto perdido é o seu próprio “eu”,
talvez ele consiga sentir que é capaz de lutar. Só depende dele mesmo pois essa
batalha é contra ele mesmo (do “eu” contra um “não-eu”). Conhecendo-se e
reconhecendo-se diante de um espelho imaginário, talvez se veja capaz de
alcançar-se e recuperar-se (talvez não, pois o que estará refletido pode não ser
o que se espera ou o que se quer ver, então, essa pode ser, também, uma causa
para o abandono definitivo do “eu”). Esse caminho pode ser um recuo para a vida
(cura) ou um passo a mais para a morte.
(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos).
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