segunda-feira, 20 de julho de 2015

O discurso melancólico em Antero de Quental e Augusto dos Anjos


Como no Romantismo, Augusto e Antero sofrem a perda de suas referências quando se trata da perda de algo (objeto) idealizado, “por isto, perdendo o sentido da vida, esta se perde sem dificuldade: sentido desfeito, vida em perigo.” (KRISTEVA, Julia. P.13). “Nada! O fundo do poço, úmido e morno / Um muro de silêncio e treva em torno / E ao longe os passos sepulcrais da Morte.” (QUENTAL, p.84). “É a Morte – esta carnívora assanhada – / Serpente má de língua envenenada / Que tudo que acha no caminho, come...” (ANJOS, p.108).
Não havendo mais um sentido para continuar vivendo e lutando, a vida se perde no nada (morte inorgânica) e caminha para a morte (orgânica).
Freud compara a melancolia ao luto, assim, essa perda pode ser compreendida com maior clareza; enquanto o luto está relacionado à morte orgânica, a melancolia está ligada à morte de ideais (enquanto objeto de amor, de desejo, de luta). Vê-se a morte de alguns ideais em O lamento das coisas de Augusto dos Anjos e Transcendentalismo de Antero de Quental que trazem a dor pela não concretização das ideias, ou seja, tudo é resumido ao nada, à transcendência que não se realiza, à luz que não virou lampejo, às coisas ficarem exatamente como estão e ao desejo dos poetas não realizáveis no mundo orgânico já que tanta luta (de Antero e Augusto enquanto indivíduos conscientes da necessidade de uma atuação ou participação para a mudança de determinada realidade – seja social, política ou cultural) foi por causa de uma ilusão:



Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que não se realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!



Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.

Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta...

Não é no vasto mundo – por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade –
Que a alma sacia o seu desejo intenso...

Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Voa e paira o espírito impassível!



Ao contrário do luto, em que se sabe do objeto “perdido”, o melancólico não percebe com clareza essa perda, sente-a é fato, mas como algo vago, distante e obscuro como seu espírito.
A “coisa” perdida, que não é claramente percebida é como o sol que, longe de ser visto como realmente é, tem-se antes a percepção de sua luz (sentimos sua presença e sabemos que existe). Nerval (em Júlia Kristeva) diz que a “coisa” é um sol sonhado, ao mesmo tempo claro e negro. Contudo, entende-se que, para o melancólico, esse sol (fonte de energia, que gera a vida e a mantêm) que já foi claro um dia por ser presente, torna-se negro por haver sido perdido. O melancólico tem uma união forte com o mundo da sombra, com o lado negro do sol e do desespero.
Tendo sido gerada a partir de traumas (“objeto” de amor indispensável que se perde), a melancolia gera uma mágoa e, por consequência, ódio pela coisa perdida. O melancólico, ao se sentir abandonado ou traído, se coloca na posição de vítima e, por não saber perder, perde a si mesmo. Ao odiar o objeto amado (que está instalado dentro de si), o indivíduo se odeia e se culpa pela mágoa e ódio existentes em seu ser, portanto, encontra como única saída a morte – mágoa e ódio que são facilmente encontrados em Augusto e Antero, como nesses trechos: “O homem por sobre quem caiu a praga / Da tristeza do Mundo, o homem que é triste / Para todos os séculos existe / E nunca mais o seu pesar se apaga! / Não crê em nada, pois, nada há que traga / Consolo à Mágoa, a que só ele assiste. / Quer resistir, e quanto mais resiste / Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.” (ANJOS, p.112). “Eu vi o Amor – mas nos seus olhos baços / Nada sorria já: só o fixo e lento / Morava agora ali um pensamento / De dor sem trégua e de íntimos cansaços... Soluço de ódio e raiva impenitentes... / E do fantasma as lágrimas ardentes / Caíam lentamente sobre o mundo!” (QUENTAL, p.81).
Então, o indivíduo em estado melancólico (ao perder as referências e a si mesmo), entra num processo de auto destruição que começa com a diminuição de sua auto-estima, gerando um empobrecimento do superego em grande escala (que é a característica mais marcante na melancolia, segundo Freud, por motivos de ordem moral). A ausência de amor-próprio aliada à culpa sentida pelo melancólico (pela ligação existente entre o vazio decorrente da perda do objeto e a exacerbação da consciência moral) é que o faz preferir a morte.

Importa-nos também, ressaltar, a partir da nostalgia da coisa perdida, a tarefa ao mesmo tempo arqueológica e prospectiva que se põe ao melancólico, em sua busca de um preenchimento e de um sentido. O sentimento de culpa e a pulsão de morte, que a melancolia privilegiadamente articula, desempenham uma função importante nessa busca: o primeiro, por refletir as renúncias que, ao longo do tempo, se impuseram ao homem por efeito da civilização – a genealogia da culpa nos reenvia ao problema das origens. E a pulsão de morte, por atuar como crítica rigorosa, sugerindo vias alternativas ao cansaço, à velhice, à mesmidade. (VIANA, Chico. P.38).


A chave clínica da melancolia está na identificação do ego como objeto perdido, ou seja, se o indivíduo tem consciência de que o objeto perdido é o seu próprio “eu”, talvez ele consiga sentir que é capaz de lutar. Só depende dele mesmo pois essa batalha é contra ele mesmo (do “eu” contra um “não-eu”). Conhecendo-se e reconhecendo-se diante de um espelho imaginário, talvez se veja capaz de alcançar-se e recuperar-se (talvez não, pois o que estará refletido pode não ser o que se espera ou o que se quer ver, então, essa pode ser, também, uma causa para o abandono definitivo do “eu”). Esse caminho pode ser um recuo para a vida (cura) ou um passo a mais para a morte.

(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos).

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