terça-feira, 21 de julho de 2015

A poética da Melancolia.


Ao invés de reprimir as consequências da perda do objeto, o melancólico aloja o objeto ou coisa perdida em seu interior juntamente com os aspectos benéficos e maléficos trazidos pelo mesmo; a poesia é o reflexo da expressão da união do eu ao objeto perdido, de modo que, o poema, é a voz de um não-eu: fragmentação que é resultado da identidade perdida (transformando-se em várias identidades pela dispersão do “eu”).
Ser melancólico é ser deserdado de algo não material e sem nome que não foi transmitido ou herdado e não é, portanto, transmissível. Esse algo está além e mais profundo que o “objeto” e guarda nossos mais secretos e profundos desejos e amores.
Como deserdado, o melancólico é um ser desafortunado e infeliz pela distância que o impede de reconquistar o “paraíso perdido”. “Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento / De minha mocidade, experimento / O mais profundo e abalador atrito... / Queimam-me o peito cáusticos de fogo / Esta ânsia de absoluto desafogo / Abrange todo o círculo infinito. / Na insanidade desse gozo falho / Busco no desespero do trabalho, / Sem um domingo ao menos de repouso, / Fazer parar a máquina do instinto, / Mas, quanto mais me desespero, sinto / A insaciabilidade desse gozo!” (ANJOS, p.199). Por ser definitivamente perdido, este “paraíso” (fonte de desejo e amor) se torna mais distante do indivíduo de modo que este, sabendo-se numa situação sem volta (irremediável), tenta buscar um meio de dominar a dor e o infortúnio e de preencher o nada, o vazio de um espírito cansado de tanta luta percebido também neste soneto de Antero de Quental no qual a busca pela sorte (bons tempos) é vivida até a exaustão numa luta repleta de “ais” pelo deserdado, no entanto, ao encontrar o procurado consolo ou ao adentrar no palácio da ventura, sua dor é aumentada por deparar-se apenas com o silêncio, a escuridão e o vazio:

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante,
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!

O poeta, ao mesmo tempo que depende deste “algo”, encontra enigmaticamente um meio de estar em outro “lugar”. Escrevendo, o poeta domina este infortúnio e, dominando-o, transforma-se / divide-se em “eus” que o permitem dominar os dois lados (real / imaginário). Um desses “eus” (o “não-eu”) é o que se manifesta no jogo da escrita. Então, se é um “não-eu” que se manifesta na ficção, o poeta, ao adentrar nesse mundo fictício (atividade simbólica), encontra-se ainda mais distante da “coisa”, desse algo perdido numa realidade distante (passado real). O poeta vai para outro mundo que é oposto ao real (ainda que seja para expressar uma realidade).

A voz do melancólico é a voz de alguém inconsolado, inconsolável... O resultado desta falta de consolo no passado (passado melancólico que não passa) é o presente atormentado pela frustração passada, sendo esta insanável.

(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos

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