sábado, 18 de julho de 2015

A poética da Melancolia - Natureza.

Natureza e Melancolia.

Aristóteles não só utilizou as noções dos quatro humores de Hipócrates como também entende a melancolia do ponto de vista patológico e se serve da natureza (ligação do homem com a natureza) para encontrar suas causas, ao mesmo tempo que a faz decorrer do calor (princípio regulador do organismo).
Uma das preocupações subjacentes à poética de Augusto dos Anjos, e que a nosso ver a estruturam, é a de alguma coisa perdida no passado do homem. Tal perda, ou antes a percepção dela, terá gerado no ser humano – o que é dramaticamente sentido pelo “eu-lírico” – o sentimento dos contrastes, da “diferença”... A consequência maior dessa perda terá sido a carência de unidade, a ruptura com a harmonia, em algum momento suposta, entre o homem e a natureza. (VIANA, Chico. p.43).
A procura das leis da natureza é feita através de seu aproveitamento para satisfazer as necessidades do homem, ou seja, a essência dos fenômenos naturais é buscada com o intuito de causar uma reflexão no ser humano através da mutabilidade da vida, eterno fluir que traz, como consequência, a renovação, a mudança de todas as coisas baseada no equilíbrio, na disciplina, na harmonia, na sabedoria e perfeição presente nos elementos do mundo natural. Isto é, também, a consciência da brevidade da vida, da passagem do tempo que a tudo destrói (as coisas passam, fluem...).
A unidade (essência que liga intimamente o homem e a natureza) pode ter sido rompida pela consciência de todas as coisas através da eterna busca (vivida por cada indivíduo à sua maneira) por valores absolutos ou ideais, assim, o contraste entre a realidade de um mundo que é um sepulcro de tristeza e a perfeição do mundo natural (e seus amores e cantos) é a causa de todos os prantos e é, ainda, o que faz a natureza gemer numa dor de consciência pela distância entre o real e o ideal. “Em toda a natureza há amor e cantos, / Em toda a natureza Deus se encerra... / E contudo esta é a causa de meus prantos!”. (QUENTAL, p.35). “O mundo é um sepulcro de tristeza. / Ali, por entre matas de ciprestes, / Folga a justiça e geme a natureza.” (ANJOS, p.168).
Em Augusto dos Anjos, essa quebra pode ter sido sentida pela percepção da decadência do ser humano destinado à morte (decomposição da matéria). Tem-se, como exemplo, nos dois tercetos do soneto Psicologia de um vencido, um retrato dessa decadência que é a morte do corpo físico:

“Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”

Em Antero de Quental, percebe-se a percepção do desequilíbrio e desarmonia do mundo, do ser humano e da vida desajustada (tão contrária a esta perfeição do mundo natural) aliada à não concretização de seus ideais, o tenham levado a este estado melancólico. Pode-se observar, no primeiro quarteto do par de sonetos Tese e Antítese, a dificuldade da materialização da ideia sonhada (plenitude idealizada):
“Já não sei do que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!”
Além de começar com negativismo (incerteza sobre a nova ideia, para que ela vale...), nota-se uma constatação negativa ao comparar a nova ideia “bacante” e “lúbrica”, isto vem do fato que ao invés de ser luz concreta como o fogo, a ideia é luz (abstrata): “Tu, pensamento, não és fogo, és luz!”.
Qualquer ser humano está propício ao humor negro desde que se sinta vivo, no entanto, ao viver em épocas de crises e mudanças (sejam elas políticas, sociais, culturais, individuais, espirituais etc), o indivíduo se torna alvo desse humor dependendo da sua visão de vida e reação diante dos fatos.
A arte poética é a manifestação da memória de uma harmonia póstuma; harmonia universal que é perfeita e sábia como o mundo natural; é a harmonia deste mundo que é buscada pelo indivíduo através da morte já que, no mundo natural tudo se transforma. Como depois de um rigoroso inverno, este indivíduo espera que venha a primavera (esperança de que tudo pode melhorar) que significa a renovação depois do inverno (“sol negro” de sua existência). Assim, o “Eu” encontra uma consolação ou esperança através da morte (suicídio) pois este pode levá-lo ao encontro do ser perdido (que significa o desejo do indivíduo). Desejo de reconquistar o “paraíso perdido” através da morte.
Nos sonetos abaixo (“Nirvana” de Antero de Quental e “O meu nirvana” de Augusto dos Anjos) está claro o cansaço dos poetas que não mais esperam realizar seus ideais neste mundo (já que isto seria uma ilusão. Ilusão e vazio universais, no qual o pensamento se desencarcera da matéria, desse mundo morto e, livre, torna a olhar para a “cousas naturais” com tédio, pois vê, em tudo quanto fita, a mesma ilusão e vazio), na verdade, neste momento, apercebem-se que o espírito só estará na plenitude idealizada (longe da dor) quando estiver na esfera do invisível, do inatingível, ou seja, a forma humana seria uma prisão passageira, um cárcere e, ao se ver livre deste, o indivíduo tem a liberdade de gritar suas ideias ficando assim mais próximo das mesmas:



Eu vi o Amor – mas nos seus olhos baços
Nada sorria já: só o fixo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trégua e de íntimos cansaços.

Pairava, como espectro, nos espaços,
Todo envolto num nimbo pardacento...
Na atitude convulsa do tormento,
Torcia e retorcia os magros braços...

E arrancava das asas destroçadas
A uma e uma as penas maculadas,
Soltando a espaços um soluço fundo,

Soluço de ódio e raiva impenitentes...
E do fantasma as lágrimas ardentes
Caíam lentamente sobre o mundo!




  
No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero,
Encontrei, afinal, o meu Nirvana?

Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Ideia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias –

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trancado a minha forma de homem

Pela imortalidade das Ideias!


(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos)

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