Natureza e Melancolia.
Aristóteles
não só utilizou as noções dos quatro humores de Hipócrates como também entende
a melancolia do ponto de vista patológico e se serve da natureza (ligação do
homem com a natureza) para encontrar suas causas, ao mesmo tempo que a faz
decorrer do calor (princípio regulador do organismo).
Uma
das preocupações subjacentes à poética de Augusto dos Anjos, e que a nosso ver
a estruturam, é a de alguma coisa perdida no passado do homem. Tal perda, ou
antes a percepção dela, terá gerado no ser humano – o que é dramaticamente
sentido pelo “eu-lírico” – o sentimento dos contrastes, da “diferença”... A
consequência maior dessa perda terá sido a carência de unidade, a ruptura com a
harmonia, em algum momento suposta, entre o homem e a natureza. (VIANA, Chico.
p.43).
A
procura das leis da natureza é feita através de seu aproveitamento para
satisfazer as necessidades do homem, ou seja, a essência dos fenômenos naturais
é buscada com o intuito de causar uma reflexão no ser humano através da
mutabilidade da vida, eterno fluir que traz, como consequência, a renovação, a
mudança de todas as coisas baseada no equilíbrio, na disciplina, na harmonia,
na sabedoria e perfeição presente nos elementos do mundo natural. Isto é,
também, a consciência da brevidade da vida, da passagem do tempo que a tudo destrói
(as coisas passam, fluem...).
A
unidade (essência que liga intimamente o homem e a natureza) pode ter sido
rompida pela consciência de todas as coisas através da eterna busca (vivida por
cada indivíduo à sua maneira) por valores absolutos ou ideais, assim, o
contraste entre a realidade de um mundo que é um sepulcro de tristeza e a
perfeição do mundo natural (e seus amores e cantos) é a causa de todos os
prantos e é, ainda, o que faz a natureza gemer numa dor de consciência pela
distância entre o real e o ideal. “Em
toda a natureza há amor e cantos, / Em toda a natureza Deus se encerra... / E
contudo esta é a causa de meus prantos!”. (QUENTAL, p.35). “O mundo é um sepulcro de tristeza. / Ali,
por entre matas de ciprestes, / Folga a justiça e geme a natureza.” (ANJOS,
p.168).
Em
Augusto dos Anjos, essa quebra pode ter sido sentida pela percepção da
decadência do ser humano destinado à morte (decomposição da matéria). Tem-se,
como exemplo, nos dois tercetos do soneto Psicologia
de um vencido, um retrato dessa decadência que é a morte do corpo físico:
“Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para
roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”
Em
Antero de Quental, percebe-se a percepção do desequilíbrio e desarmonia do
mundo, do ser humano e da vida desajustada (tão contrária a esta perfeição do
mundo natural) aliada à não concretização de seus ideais, o tenham levado a
este estado melancólico. Pode-se observar, no primeiro quarteto do par de
sonetos Tese e Antítese, a
dificuldade da materialização da ideia sonhada (plenitude idealizada):
“Já não sei do que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!”
Além
de começar com negativismo (incerteza sobre a nova ideia, para que ela
vale...), nota-se uma constatação negativa ao comparar a nova ideia “bacante” e
“lúbrica”, isto vem do fato que ao invés de ser luz concreta como o fogo, a ideia
é luz (abstrata): “Tu, pensamento, não és
fogo, és luz!”.
Qualquer
ser humano está propício ao humor negro desde que se sinta vivo, no entanto, ao
viver em épocas de crises e mudanças (sejam elas políticas, sociais, culturais,
individuais, espirituais etc), o indivíduo se torna alvo desse humor dependendo
da sua visão de vida e reação diante dos fatos.
A arte
poética é a manifestação da memória de uma harmonia póstuma; harmonia universal
que é perfeita e sábia como o mundo natural; é a harmonia deste mundo que é
buscada pelo indivíduo através da morte já que, no mundo natural tudo se
transforma. Como depois de um rigoroso inverno, este indivíduo espera que venha
a primavera (esperança de que tudo pode melhorar) que significa a renovação
depois do inverno (“sol negro” de sua existência). Assim, o “Eu” encontra uma
consolação ou esperança através da morte (suicídio) pois este pode levá-lo ao
encontro do ser perdido (que significa o desejo do indivíduo). Desejo de
reconquistar o “paraíso perdido” através da morte.
Nos sonetos
abaixo (“Nirvana” de Antero de Quental e “O meu nirvana” de Augusto dos Anjos)
está claro o cansaço dos poetas que não mais esperam realizar seus ideais neste
mundo (já que isto seria uma ilusão. Ilusão e vazio universais, no qual o
pensamento se desencarcera da matéria, desse mundo morto e, livre, torna a
olhar para a “cousas naturais” com tédio, pois vê, em tudo quanto fita, a mesma
ilusão e vazio), na verdade, neste momento, apercebem-se que o espírito só
estará na plenitude idealizada (longe da dor) quando estiver na esfera do
invisível, do inatingível, ou seja, a forma humana seria uma prisão passageira,
um cárcere e, ao se ver livre deste, o indivíduo tem a liberdade de gritar suas
ideias ficando assim mais próximo das mesmas:
Eu
vi o Amor – mas nos seus olhos baços
Nada
sorria já: só o fixo e lento
Morava
agora ali um pensamento
De
dor sem trégua e de íntimos cansaços.
Pairava,
como espectro, nos espaços,
Todo
envolto num nimbo pardacento...
Na
atitude convulsa do tormento,
Torcia
e retorcia os magros braços...
E
arrancava das asas destroçadas
A
uma e uma as penas maculadas,
Soltando
a espaços um soluço fundo,
Soluço
de ódio e raiva impenitentes...
E
do fantasma as lágrimas ardentes
Caíam
lentamente sobre o mundo!
No
alheamento da obscura forma humana,
De
que, pensando, me desencarcero,
Foi
que eu, num grito de emoção, sincero,
Encontrei,
afinal, o meu Nirvana?
Nessa
manumissão schopenhauereana,
Onde
a Vida do humano aspecto fero
Se
desarraiga, eu, feito força, impero
Na
imanência da Ideia Soberana!
Destruída
a sensação que oriunda fora
Do
tato – ínfima antena aferidora
Destas
tegumentárias mãos plebeias –
Gozo
o prazer, que os anos não carcomem,
De
haver trancado a minha forma de homem
Pela
imortalidade das Ideias!
(Renata Nunes - Melancolia e Morte na poesia de Antero de Quental e Augusto dos Anjos)
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