Anoiteço... Ainda não é a hora, mas adormeço. Sequer vejo o Coelho Branco correndo apressadamente, com seu enfadonho relógio. Não, ainda não é tarde... O portal para Wonderland está lacrado! Eu capturo a sombra dum corpo dormente, entorpecido, amplamente vencido pela droga recomendada, devidamente prescrita (para quê, mesmo? Melhor não pensar!)... Minha alma ronda sem rumo, sonda o ambiente e se depara com o espelho. Sim, o Espelho! O que vejo? Apenas um corpo em sono profundo... Nada mais! Em desespero, Encolho-me num canto do quarto e grito! Meus gritos assemelham-se a súplicas de bebês não paridos, ferindo ouvidos de ninguém. Estou num deserto involuntário e sombrio. Estou só! E a solidão é esta sorrateira companheira, uma fiel escudeira, a carcereira que aprisiona e vigia a alma. Devo ser paciente... Mas não sou! Carrego a inquietude e a angústia no Ser! Dos que precisam, com extrema urgência, Viver! Não me conformo, nunca me contentarei em Sobreviver. A medicação dopa o corpo... Mas a Alma... Ah, essa é como um Corvo: prenúncio da Morte ou da má sorte? Só sei que voa... Vou enlouquecer! E ser Louca numa realidade como esta é como morrer à conta gotas... Wonderland me faz Viver - as insanas maravilhas dum mundo tão meu! Hush, Hush! Podes ouvir? Ouço passos... Quem pode ser? Levanto levemente como se minha alma carregasse o peso de todo o universo e caminho ao encontro dos insistentes passos. Intrigante! Não há ninguém em casa... Deslizei, sutil e morna, por entre os concretos de toda a casa. Esgueirei-me como sombra e... Assombrei-me! Mas isto é Impossível! Não, nada é impossível... Passei tanto tempo numa ausência sem nome que sequer notei a falta do meu próprio corpo na cama... Ou, ainda, a falta da alma na carne. Era Eu! Incontestavelmente, Eu dei passos furtivos para Voar! Minha sombra era Eu sentada em frente à tela do computador: digitando, digitando, digitando... Estava liberta! Wonderland estava à minha espera! Ah, Alice, posso te contar um segredo? O portal nem existe mais. Agora, Vai! Segue teu coração, cumpre tua jornada e alcançarás teu doce destino! És Louca. Louquinha! Mas as melhores pessoas do mundo são assim. Pois então, Vai! Vive intensamente tudo o que deveria ser, mas não é - nesse mundo tão teu. Ah, Wonderland... Que esta dupla realidade (insanidade?) jamais tenha Fim!
(Renata Nunes)