segunda-feira, 2 de julho de 2018

Ausência


Porque habitas
O meu universo
É que te reconheço,
Mas entre
Bêbado
e
Lúcido
Não sei te nomear...

Porque albergas
Todas as galáxias
É que te desenlaço,
Mas entre
Abstrata
e
Concreta
Não sei te alcançar...

Porque asseguras
Toda a minha Vida Lunar
É que te agradeço,
Mas entre
Luz
e
Treva
Não sei te espelhar...

Porque habitas
Todos os nossos Universos
É que me reconheço,
Mas entre
Tempo,
Distância
e
Infinita Saudade
Não sei mais te nomear...

Apenas sei
Quão nebulosa e solitária esta existência seria
Não tivesse, Eu,
Nascido com tantas estrelas
- Tatuadas no meu próprio corpo -
Brilhando intensamente,
Brincando de Te constelar.
E, porque elas habitam todo o meu Ser,
Jamais deixarei de ver-te!

Inominável é o êxtase,
O devaneio,
A loucura,
A totalidade da entrega
- Ainda que na ausência -
Neste imensurável Amar Você...
Mas entre
O Indelével
e
O Inefável
Ah... Eu sei, Sim, Te nomear!



(Renata Nunes & DiAfonso)




domingo, 17 de junho de 2018

Pra Sonhar...



Desta vez não fui te buscar
Viajei sozinha.
Foi diferente, até Eu estava ausente!
Sentia-me tão perdida,
Que sequer sabia onde te encontrar.
No ápice de minha insanidade,
O enjôo, a angústia e o desespero
São absolutos!
Os pensamentos se perdem,
A memória falha,
A alma se cala...
Estranho foi pousar
E Wonderland não enxergar!
Não, nada naquele lugar era familiar...
O Ar tinha cheiro de areia e sal,
O sol alegremente se despedia,
Refletia seu adeus no pacífico oceano.
O vento mudou de direção
E precisei olhar para o chão.
Sim, estava tão extasiada que sequer me enxergava!
Vi pés descalços
 Tocando a fofa areia,
Vi rendas ao redor do meu corpo...
Estranho... Pensei!
Preto sempre foi minha cor predileta!
E agora...
Tudo tão claro... Branco!
Em meu estupor, fixei meus olhos nas rendas que cobriam meus pés,
Minha respiração ficou ofegante,
Meus olhos subiam lentamente,
Caminharam por todo o meu corpo,
E, estupefata, sorri...
Era lindo!
Meu delicado vestido rendado...
Com um sorriso estampado no rosto,
Virei-me para prestigiar os últimos raios do sol.
Foi quando avistei a mais bela imagem de toda a minha vida:
Um altar na areia,
Rosas! Rosas brancas...
Tochas com fogo crepitando,
Num doce convite para a lua
Se aconchegar...
Caminhei devagar,
Incrédula!
Minha alma deve ter corrido,
Voado,
Mas o corpo não obedecia!
E foi com o coração palpitando
E a alma cantando no Ar
Que, lindamente, te vi no Altar.
Perdi as forças,
Ajoelhei,
Baixei a cabeça,
Chorei...
Senti o gosto do mar na boca,
Levantei o olhar,
E estavas lá, sorrindo,
Mãos estendidas,
Olhos marejados, prantos soltos,
Tudo tão a meu gosto...
Todo de branco!
Meu Deus, obrigada por presenciar tamanha beleza!
Levantei, Fechei os olhos e
Assim, permaneci um tempo numa muda prece...
Meus olhos abriram para os teus,
 Sorri...
Minha mão alcançou a tua,
Minha boca encostou em teu rosto,
Senti teu cheiro...
Tua mão me guiou,
Teu olhar fez minh'alma chorar,
Tua boca me inundou,
E tua respiração me fez lembrar:
Sim, sou teu Ar!
És minha Terra (meu alicerce)!
Somos Elementos que se complementam,
Almas que se necessitam...
Já tínhamos o Fogo, a Água,
Éramos a Terra e o Ar,
E, para completar, tínhamos como cenário o quinto elemento:
A energia, a alma da própria natureza a nos presentear, generosamente, com um enorme luar!
Perfeição da natureza,
Como não se apaixonar?
Sim, eu aceito!
Para todo o sempre te Amar...




(Renata Nunes)




terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

A Saudade!

Saudade...
A Dor Cósmica da distância física,
A única capaz de arrefecer um corpo,
A única capaz de deixá-lo torpe, vazio, quase morto...
Morte por falta de habitação
- Sem resquícios e rastros na pele -

Saudade...
Geralmente ligada ao que já aconteceu e não é mais,
Ao que, ainda é, mas está distante.
Um Passado, diuturnamente, Presente.
É a ausência, concreta e nominável,
De quem faz nosso corpo inteiro chorar
- Com traços e marcas no rosto -

Eu poderia passar horas
Escrevendo sobre Saudade...
Sobre este sentimento ligado ao Passado
- Muitas vezes, um Presente sem Futuro -
Porém, não é desta Saudade que desejo discorrer!
Existe um tipo específico de Saudade 
Não conhecida por muitos...
E é esta que almejo fazer, da alma, escorrer...

A Saudade...
Do que ficou contido (mesmo habitando, numa única alma, o desejo incontido),
Do que foi profundamente desejado,
Do que permaneceu adormecido
Entre dois corpos...
Um Passado não acontecido, não experienciado,
Um sentimento não consumado.

Sinto falta dos segundos não vivenciados,
Dos abraços não dados (hoje, eu me jogaria...),
Dos sorrisos não transformados em beijos 
- Silenciosos e Libidinosos -
Do sexo não profanado...
Deste incêndio não causado!

Este tipo de Saudade carrega todos os tempos
A um só tempo

- Passado, Presente e Futuro -

Do Passado, carregaremos as doces lembranças dos olhares trocados,
Dos sorrisos disfarçados,
Dos pensamentos silenciados e, principalmente,
Do sentimento, ainda, ignorado.

Do Presente...
Ah, quão deliciosos tem sidos esses dias,
Vividos na plenitude da consciência do que verdadeiramente somos!
Estar distante, fisicamente, é apenas uma circunstância...
Como tem sido inefável planejar cada segundo,
E sonhar, cada vão momento, no qual estaremos, finalmente, juntos!

Do Futuro...
O que esperar?
Senão, Você!
VIDA...


(Renata Nunes)



segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Em Outra Encarnação...



...

Num tempo onde as pessoas habitavam verdadeiros palácios e a palavra diversidade sequer existia, nasceu Richard. Richard chegou ao mundo em meio a uma família abastada e, como filho único, foi extremamente paparicado por seus pais os quais atendiam a qualquer desejo do pequeno. Possuidor de beleza inegável (cabelos reluzentes como o sol, olhos límpidos e profundos como o oceano, tez de uma delicadeza inconfundível), de traços finos e excessiva feminilidade, Richard possuía tudo que era de sua vontade. Seus pais, tão preocupados em satisfazê-lo, sequer perceberam o quanto ele era diferente dos demais garotos da mesma idade.
À medida que crescia, Richard aguçou os seus instintos na direção dos meninos. Ele sequer olhava para uma garota com desejo. Seus pais apenas notaram essa peculiaridade quando o pegaram em pleno ato sexual com um de seus primos. Seu pai culpou o sobrinho (afinal, ele tinha seduzido, transviado seu filhinho...) e o mandou embora, proibindo-o de entrar novamente em sua casa. Horrorizado, decidiu escolher uma moça da sociedade para casá-lo o quanto antes. Richard não trabalhava, ele gostava apenas de escrever... Escrever era o seu dom. Tinha uma vida boêmia regada a vinho, muito vinho. Participava de um grupo anônimo de poetas que se encontravam secretamente numa gruta. Nesse ambiente ele se sentia livre. De um modo geral, os outros integrantes do grupo tinham poucos recursos financeiros, mas Richard não se importava e os encontrava furtivamente.
Ele era desejado por todas as moças solteiras da região. Todas sonhavam com um possível casamento com ele. Além da beleza, ele tinha posses e, na época, os casamentos costumavam ser arranjados pelas famílias no intuito de aumentar fortunas.
Extremamente preocupado, seu pai organizou um baile para as melhores famílias da região. Ele queria escolher a mais bela e rica moça na ilusão de que o filho apenas vivia uma vergonhosa fase. O casamento com uma bela moça o “salvaria”, pensava o desesperado pai. No dia do baile, Richard estava com ar enfadonho e irritado pois sabia a real intenção do pai. Embora contrariado, ele foi gentil e dançou com todas as moças apresentadas a ele. No final do baile, ele se viu a sós com o pai. O pai foi enfático: “Ou casa ou será deserdado!”. Richard sentiu o sangue fervilhar em suas veias e um ódio o sufocar. No entanto, não havia outra saída.
O pai venceu a batalha e acertou seu casamento com uma moça chamada Gisele. Dona de rara beleza e infinita fortuna. Com muita raiva por ter que ceder à vontade do pai, Richard decidiu se vingar de todas as mulheres que resolvessem cruzar o seu caminho, dessa forma, muitas foram as vezes nas quais seduzia meninas e as levava para a “cama”. Iludidas, muitas o procuravam depois, mas ele despejava o seu ódio sobre as mesmas e as enxotava de sua vida como objetos. Até que uma delas o procurou grávida de quatro meses. Ele precisava se “livrar” desse problema e a levou para uma velha mulher que tiraria a criança do ventre da jovem prometendo uma grande quantia à mesma se, depois de resolvido o problema, ela desaparecesse de sua vida. Ele sequer imaginava nas tantas consequências desse ato de brutalidade. A jovem, gananciosa pelo valor ofertado, se deixou conduzir, no entanto, uma forte hemorragia a levou a morte aos dezesseis anos.
Mesmo com o casamento próximo, Richard continuava com sua vida boêmia. O pai se desesperava, mas acreditava que o casamento o aprumaria. Longe dos pais, ele esquecia todas as responsabilidades e vivia momentos prazerosos com os amigos. O grupo era formado por dez poetas. Um dia, um dos participantes trouxe Victor para apresentá-lo aos demais no intuito de ser aprovado e se tornar um dos membros do grupo. Victor entrou declamando um poema de forma teatral. Tinha a arte de interpretar nas veias. Era sedutor nato, apaixonante e muito, muito bonito. Vastos cabelos negros, barba rala e incerta, extremamente másculo. Richard sentiu o coração acelerar, não conseguia tirar os olhos de Victor. Ficou fascinado... Victor foi aprovado pelo grupo e começou a frequentar as reuniões semanais na gruta. Richard contava cada segundo para encontrar Victor. Eles ficaram muito amigos e grudados durante as reuniões. Esse comportamento despertou os olhares dos demais membros que passaram a observá-los com interesse e certa repulsa.
 Numa dessas noites de reunião, forte tempestade tomou conta da região, no entanto, sequer passou pela cabeça de Richard não ir ao encontro pois não desejava perder a oportunidade de encontrar Victor. Ao chegar, a gruta estava vazia. Decepcionado, sentou num banco de madeira, se apoiou na grossa mesa e começou a escrever poemas bebendo muito vinho. De repente, se assustou com a entrada brusca e repentina de Victor, o qual adentrou a gruta todo molhado. Victor se despiu displicentemente, Richard ficou a admirá-lo discretamente. Os dois, então, puseram-se a conversar, comer e beber. Entre risadas e brincadeiras, pararam quando seus olhos finalmente se cruzaram. Não conseguiram mais dizer uma palavra. A tempestade estava cada vez mais forte e os relâmpagos iluminavam o brilho de seus olhos. Os trovões não faziam parte da tempestade, mas de seus corpos sequiosos de contato físico, trêmulos de vontade. Victor tomou o último gole de vinho e caminhou lentamente ao encontro de Richard. Em nenhum momento desviaram o olhar. Victor tirou o copo das mãos de Richard, desabotoou sua camisa vagarosamente, acariciou o seu rosto e suas bocas se encontraram num beijo longo e excitante...
Sôfregos de desejo, suas bocas percorreram cada milímetro do que podemos chamar de pele: Fazendo chover, lampejar, trepidar... Tesos do incontido tesão, suas pegadas eram tão fortes quanto o temporal que estremecia a terra: Marcando-a, Dominando-a, Estrondando-a... Ecos desta Paixão, tanto tempo contida, inundaram a gruta. Porém, em meio a este furacão de sensações, mais um relampejar os fez abrir os olhos - Num Sim Silencioso para a Plenitude... Então, sobre a rústica mesa de madeira maciça, completaram-se, encharcaram-se, fundiram-se... E, no ritmo do fluir da tórrida tempestade, finalmente, permitiram-se Fruir!
Quando os primeiros raios de sol adentraram a gruta, Richard e Victor ainda dormiam placidamente, despidos um nos braços do outro. Quando Richard abriu os olhos meio sem saber onde estava e viu Victor em seus braços, simplesmente sorriu...
Victor conhecia a história de Richard e de seu futuro casamento. No entanto, Victor vivia de uma herança deixada pelo pai, morto prematuramente em um acidente. Tinha apenas a mãe, já idosa e convalescente, da qual cuidava zelosamente. Jamais a abandonaria, ela era a sua fortaleza, a amiga e companheira para a qual não tinha segredos. A mãe se preocupava com Victor, no entanto, sempre dizia: “Guie-se pelo seu coração, mas tenha cuidado; faça o que tiver vontade, mas não prejudique quem quer que seja; seja o que é, mas não espere o entendimento das pessoas; seja o mais corajoso dos homens, mas saiba ser humilde, ser realmente humano...”. Sábia mulher! E como o amava... Tinham uma boa casa e dinheiro suficiente para que vivessem com certo conforto, mas não era como Richard. Não tinha prestígio e sequer era conhecido na sociedade. Nesse caso, não podiam ficar juntos ou ir embora porque não teriam como se sustentar sem a fortuna de Richard. Victor também não abandonaria a mãe, mesmo considerando a possibilidade de ir embora, haveria de encontrar um jeito de levá-la com eles...
Portanto, decidiram se encontrar sempre furtivamente, ao menos até que pudessem de alguma forma angariar dinheiro suficiente para viverem muito longe dali.
O casamento de Richard e Gisele causou muita inveja e rebuliço entre as jovens sonhadoras da cidade. Ela estava linda, radiante e feliz, pois era apaixonada por Richard. Seu pai achava que seus problemas estavam resolvidos e enterrou, no dia do casamento, a horrorosa cena na qual assistiu Richard em conduta pederasta. Ao contrário de todos, Richard estava dilacerado. Amava Victor profundamente e não sabia se aguentaria representar diante de plateia tão cheia. A festa de casamento varou a noite. Victor não estava muito longe dali, a tudo observava trêmulo... Alma devastada, coração despedaçado, olhos a despejar cachoeiras de sal e dor... Entendia a necessidade do casamento, mas se indignava com a sociedade... Era a dor do preconceito que o invadia, era a morte dos sonhos não concretizados, era a derrota sem luta, a bandeira branca sem guerra...
Os jovens noivos morariam próximo à casa dos pais de Gisele. Richard adiou o quanto pôde a sua retirada da festa. Porém, Gisele ansiava por sua grande noite de núpcias. Quando finalmente chegaram na nova casa, Richard deixou Gisele sozinha no quarto e se trancou em seu gabinete particular. Não passou despercebido a presença de Victor pelas redondezas. Tomou muitas garrafas de vinho enquanto pensava nas muitas noites de amor que tivera com Victor. Ao mesmo tempo, visivelmente abandonada e sem saber como agir, Gisele o esperava no quarto. Nervosa e decepcionada, Gisele decidiu ir ao gabinete a fim de descobrir o que estava acontecendo. Encontrou o marido embriagado e o levou ao quarto. Richard amou Gisele com sofreguidão, pois, em sua mente, era a Victor que amava naquele momento. Ela chorava baixinho, pois se sentiu usada, humilhada, ultrajada.
Gisele viu todos os seus sonhos ruírem ainda na primeira noite de casamento. Percebeu que Richard não a amava. Sentiu a dor e a humilhação de não ser desejada como gostaria e se fechou em si mesma. Estava casada, não tinha como voltar atrás. Teria que aguentar um casamento infeliz para o resto da vida.
Richard ia ao encontro de Victor todos os dias. Victor ficava em sua casa esperando para que pudessem ter seus momentos de felicidade e amor. A mãe de Victor sempre que podia os fazia companhia. Costumavam tomar o chá da tarde juntos, momento no qual se confessavam diante da sábia senhora. Ela, entre um gole e outro do chá fumegante, os olhava profundamente e dizia: “Nada acontece por acaso, se estamos unidos nesse momento é porque Deus, assim, permitiu. Sábios são os que sabem reconhecer, saborear e degustar os bons momentos que a vida nos oferece...”.
Richard não frequentava mais a gruta. A casa de Victor era o seu refúgio, tornou-se o seu porto seguro... Esses encontros o fortaleciam e o faziam aguentar essa “vida dupla”. Porém, Gisele não era boba e andava desconfiada. Depois da primeira noite, passaram a dormir em quartos separados e não voltaram a fazer amor. Quando Gisele descobriu sua gravidez, ficou com muito mais raiva de Richard, pois ele sequer a olhava (quase a ignorava). Uma única vez e tinha engravidado! Passou a odiar o ser que habitava o seu ventre. Culpava Richard por toda a sua infelicidade, no entanto, nada falava, apenas alimentava o desejo de se vingar. Nesse momento, lhe acometeu uma ideia: seguiria Richard!
Quando Richard mais uma vez caminhava ao encontro de Victor, percebeu a presença da esposa e desviou o caminho. Muitos dias o mesmo aconteceu e Victor andava preocupado, pois não sabia o que estava acontecendo. Dessa forma, Richard mandou um portador levar um bilhete a sua casa, informando-o sobre os últimos acontecimentos. Richard estava com muita raiva de Gisele, no entanto, ela estava esperando um filho seu, por isso, preferia ignorar suas perseguições e nada comentava.
Em meio a tantos acontecimentos que o angustiava, Victor se refugiava nas palavras da mãe: “Oremos, meu filho! Não há dor que dure para sempre, não existe ferida que não cicatrize se a colocamos nas mãos de Deus...”. As preces sempre foram atendidas, pois aliviavam o seu coração. Tiravam o peso que ele carregava por se sentir o causador de tanto sofrimento e a culpa por amar o inaceitável. Mas era tarde demais para se arrepender de algo, caminho sem volta... Lutaria por Richard!
Victor e Richard ficaram muitos dias sem se ver porque Gisele estava louca e não permitia que o marido saísse sem a sua companhia. Os pais de Gisele começaram a se preocupar com o estado da jovem e visitava-os com frequência, o que impedia ainda mais as saídas de Richard. Ele estava bastante nervoso e começou a pensar em várias possibilidades para encontrar o amado. Até que, próximo de seu aniversário, decidiu preparar uma festa. Toda a elite foi convidada. Gisele não desconfiou de nada e achou que seria uma forma de mostrar à sociedade que estavam felizes com a chegada do filho que nasceria em menos de três meses.
Richard sabia quão arriscado seria, mas talvez esta fosse a única possibilidade de ver o seu amado. Ele se arrependia de ter concordado com o casamento por medo de perder a herança. Sentiu-se covarde (e era!)... O que valia mais agora? Certamente não era o dinheiro...
Victor sentiu o coração saltitar de tanta felicidade ao receber o convite para a festa. Finalmente veria Richard novamente! Decidiu comprar roupas novas e elegantes, não queria fazer feio...
O castelo estava todo iluminado e lindo para a comemoração do aniversário de Richard. Muita gente elegante e impecavelmente vestida. Os pais de Richard e Gisele respiravam aliviados por vê-los felizes. Imaginaram que estavam passando por uma crise no casamento, a qual seria superada, principalmente, pela vinda do netinho. Gisele disfarçava sua insatisfação, mas Richard estava realmente feliz nessa noite. Ficou radiante quando viu Victor adentrar o castelo.
À exceção de seu pai, ninguém notou os seus olhares para Victor. O pai de Richard sentiu uma dor muito forte no peito e preferiu se retirar da festa juntamente com a esposa alegando profundo mal-estar. Richard não queria saber de ninguém nessa noite. Pensava num jeito de encontrar Victor às escondidas. Todos se divertiam e sequer imaginavam o real motivo daquela festa.
Richard se esquivou de várias pessoas e pediu para que Victor o acompanhasse. Richard entrou em seu gabinete seguido por Victor e finalmente puderam se amar sem medos, sem limites. Ninguém notaria a falta de sua presença, imaginava Richard. Porém, ele não lembrou que na hora do brinde ele deveria estar presente. Dentro do seu gabinete, ele e Victor esqueceram onde estavam e, para ambos, nesse momento, apenas eles existiam. Quando um bolo enorme adentrou o salão para o momento mais esperado da noite, Richard não se encontrava. Todos os criados se puseram a procurá-lo e todos os convidados se calaram apreensivos. Gisele e seus pais puseram-se a procurá-lo também. Gisele sabia que o refúgio do marido era o seu gabinete, então, seguida pelos pais, caminhou em direção ao mesmo. À medida que se aproximavam, escutavam sussurros cada vez mais audíveis. Pararam na porta sem coragem para abri-la. Raivoso, o pai de Gisele tomou a frente, pois não admitia que o genro desonrasse a filha dentro de sua própria casa com uma mulherzinha qualquer. Escancarou a porta abruptamente e ficaram mudos ante a cena. Jamais imaginaram tamanha humilhação. O pai de Gisele sacou uma arma e atiraria em ambos não fosse o grito de dor de Gisele que nesse exato instante desmaiava nos braços da mãe. Assustado com a poça de sangue ao redor da filha, ele largou a arma e correu para acudir a filha. Nesse instante, Victor fugiu incentivado por Richard.
Victor saiu correndo do gabinete com as roupas nas mãos, os convidados assistiam com pavor e cara de nojo as cenas que se sucederam. Muitos se retiraram imaginando a dor e a vergonha da família. Gisele tida como vítima da pederastia do marido. Alguns curiosos foram retirados do castelo pelos criados. Enfim, o salão esvaziou por completo. Gisele foi levada ao seu quarto e ficou por horas apenas em companhia do médico da família. Seus pais, apreensivos, aguardavam notícias. Richard se trancou em seu gabinete de onde não ousou sair. Sentia raiva por não poder viver com Victor. Eles se amavam! Tremia de ódio por ter que se unir a uma mulher que não amava para sobreviver na sociedade. Pensou em acabar com a própria vida e chorou...
Gisele, fraca por ter parido prematuramente o filho tão indesejado, adormeceu sem saber que o mesmo não havia suportado, nasceu morto. Seus pais culpavam Richard e vingariam a filha. O pai de Gisele foi ao gabinete, arma em punho, procurar Richard, ele o mataria. Porém, Richard não estava mais no gabinete. Ninguém o tinha visto. Desapareceu! Quando os pais de Richard foram informados dos acontecimentos, a dor que seu pai sentia no peito aumentou até que um ataque cardíaco fulminante o acometeu. Morreu de vergonha e culpa, achando que Richard tinha se transformado num pederasta por tê-lo mimado em excesso. A mãe de Richard passou o resto de seus dias na solidão e tristeza de seu palácio.
Depois de muitos dias, Gisele se recuperou, mas sua sanidade se foi juntamente com o bebê. Enlouqueceu completamente. Vivia falando frases desconexas. Gargalhava, chorava, quebrava objetos, enfim, passou anos presa na imensa casa dos pais até que um dia a realidade a encarou de forma cruel. Ela lembrou tudo que em sua fuga interior jamais tinha vivido. Após reviver tantas dores, não aguentou e se jogou do último andar da casa para que a morte a fizesse esquecer... Quanta ilusão...
Durante todos esses anos ninguém soube do paradeiro de Richard e Victor. Quando, em meio ao desespero, Richard se deu conta do que estava prestes a fazer, limpou o seu cofre, pegou tudo que pôde e correu para a casa de Victor. Ele tinha uma certeza: não se acovardaria novamente! Não deixaria Victor sozinho...
Certo de que no dia seguinte iriam atrás deles, ambos fugiram para um vilarejo não muito distante, porém, lugar onde ninguém os conhecia. A mãe de Victor o libertou dizendo: “Meu filho querido, pelo tanto que o amo, o liberto. Parte para a vida sem culpa, dor ou ressentimento. Tua velha mãe estará sempre em teu coração a abençoar tua jornada. Seja feliz...”. Victor não conseguiu falar, chorava, simplesmente chorava... E em seus olhos, sua mãe enxergou o amor que ele não conseguia expressar com gestos ou palavras; ela ficaria bem e, embora sentisse ser a última vez que veria o filho em vida, sentia a paz dos que tem fé e acreditam existir vida após a morte do corpo físico... Sim, ela o reencontraria um dia...
Richard sequer ficou sabendo sobre a morte do pai. Nada e ninguém mais importava para ele além de Victor. Eles viveram muitos anos refugiados numa casinha distante quase no meio da floresta. Saíam apenas para comprar mantimentos. O dinheiro de Victor somado a tudo o que Richard conseguiu levar daria para cobrir as despesas por muitos anos. Viviam apenas para o amor. Existia um amor puro e verdadeiro entre ambos. No entanto, lamento dizer o quão egoístas foram quando pensaram apenas em si mesmos e esqueceram todos os outros... Suas atitudes feriram muitas pessoas, portanto, colheriam os frutos das sementes plantadas... Ambos tinham consciência desse fato e viviam esse amor de forma intensa. Viviam cada dia como se fosse o último. Na loucura e insensatez de vivenciar apenas o que sentiam...
Depois da morte de Gisele, seu pai focou seus dias de vida para encontrar Richard. Contratou muita gente a fim de descobrir seu paradeiro. Um dia, soube que num vilarejo próximo, muitas pessoas estranhavam a vida de dois homens que se diziam irmãos. "Quase não são vistos!", comentavam as pessoas. Nícolas, pai de Gisele, sentiu algo estranho... Sentia que os havia descoberto!
Numa noite de fina chuva, Nícolas partiu sozinho rumo à casinha. Chegou ofegante. Arma em punho, entrou na casa por uma janela entreaberta. Ouviu ruídos e risadas. Sussurros de prazer... Pervertidos, vocês terão o que merecem! (pensou Nícolas, colérico de ódio). Seguiu os ruídos dos amantes e entrou no quarto. Richard e Victor, pegos de surpresa, sequer tiveram a oportunidade de se defender (sequer o fariam! Sabiam que esse dia chegaria...).
Muitos dias depois seus corpos foram encontrados abraçados e ainda despidos sobre a cama. Morreram juntos...
Nícolas ainda viveu muitos anos, mas jamais conseguiu ser o mesmo. Viveu na infelicidade por carregar e alimentar o ódio em seu coração.

...


Querido Victor,

Meu peito dói por precisar partir. Reconheço a necessidade de uma momentânea separação, pois talvez isso signifique a nossa redenção... Torço para que todos os que sofreram devido às consequências ou inconsequências do nosso amor nos perdoem. A vida nos deu uma nova oportunidade e eu tentarei ser grato ainda que não lembre (estando encarnado) os reais motivos das nossas provações Terrenas. Temos uma grande missão a cumprir. Teremos uma nova vida! Sei que reencarnarei mulher para dignificar e valorizar o que sempre desprezei devido ao ódio gerado por não poder te amar livremente. Portanto, Lutarei arduamente pela "Diversidade"! Seremos opostos desta vez... E trilharemos um longo caminho distantes um do outro. Porém, ainda que estejamos separados fisicamente, é para você que sempre voltarei... Não tenho medo de te perder, pois sei que te reconhecerei onde quer que estejas.
Nosso olhar... Plenitude! 
O que são alguns anos diante de toda a Eternidade?
Estarei te esperando,
Meu amor...
Minha alma-gêmea...
Metade de mim!
Richard.




(Renata Nunes) 


terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Estar Longe de Você...



Estar Longe de Você é como não pertencer a lugar algum,
Ainda assim, habito a minha tão conhecida Treva.
A mesma que me petrifica e emudece,
A única que me paralisa no vazio...

Não, eu não queria falar sobre as sombras que anoiteceram o meu dia.
Mas sou apenas um ser humano.
Que sangra quando cai,
Que desmorona quando as luzes apagam,
Que sente um esfaquear no coração,
Que sente a alma arrebentar por sufocar uma saudade inominável, 
Indomável...

Estar Longe de Você me deixa à deriva...
Ainda assim, navego em oceanos revoltos, convulsos e irrequietos à procura da nossa Terra.
A mesma que me inunda e preenche,
A única que me liberta do sombrio...

Não, eu não queria sentir este nevoeiro que blindou minha alma.
Mas, hoje, a saudade me devastou de forma infesta,
Sim, eu tenho um corpo que necessita do teu.
Corpo que congela, coagula e calcifica nesta ausência sem nome.
O mesmo que arrepia com o toque do teu olhar,
Que estremece ao som da tua voz,
Que geme de dor e grita por você!
Corpo cuja pele sente o arrefecer das milhas não percorridas
E o incandescer dum desejo incontido,
Inaudito... 

Estar Longe de Você... Quando finalmente nossas almas se encontraram... Tem sido a minha perdição e total rendição.
Por hoje, somente por hoje, estou entre o Céu e o Inferno
- Meu Limbo -
Pergunto-me onde está agora,
E contesto a minha sanidade.
Fantasia e Realidade são indistinguíveis!
Estar tão longe de você me faz delirar...
Devanear no teu Amar.

Sim, eu queria falar sobre a Nossa Plenitude!
Eu tentei...
Perdoe esta alma que andou dilacerada pelos infindáveis segundos deste dia.
Perdoe a falta de cores, o excesso de dores e os terríveis temores que me invadiram a mente.
Perdoe a menininha imatura e covarde que precisava da tua mão hoje!
Sim, eu queria ter calado esta criança mimada que chorou o dia inteiro por você!
Porém, ela faz parte do que sou,
Um "Não-Eu" que também tem Voz...
Voz que clamou e te chamou
Incansavelmente!

Não, Eu não quero mais
- Nem agora, Nem Nunca -
Estar Longe de Você! 




(Renata Nunes)